O município de Mossoró atingiu uma marca histórica ontem, na área policial, com o registro da 100ª morte por execução somente este ano. Considerado pelas autoridades em segurança o ano mais violento de toda a sua história, a cidade vive num cenário de "guerrilha urbana". Os assassinatos aconteceram em menos de seis meses, colocando autoridades e população em alerta, levando a uma reflexão quanto ao destino de tanta violência.
Praticamente em todos os bairros aconteceram homicídios, mas o destaque ficou para as áreas periféricas, que se destacaram com o maior números de mortes.
De acordo com o Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp), que esteve presente em todas as ocorrências, a forma como as vítimas foram executadas praticamente é a mesma. O perfil dos matadores, geralmente dois elementos em uma motocicleta, usando capacetes e jaquetas, assusta a população que fica sem ação diante da ousadia. Depois de cometer o crime, a dupla vai embora sem ser identificada pela população que presenciou ou pela polícia, que não consegue colher provas suficientes para elucidar os crimes.
Diante do perfil dos matadores, a população já começa a cogitar a existência de um possível grupo de extermínio, trabalhando diuturnamente a serviço dos traficantes, que precisam eliminar seus desafetos. O pedreiro Raimundo Francisco, morador de uma favela da cidade, que teve um parente assassinado, assegura que o grupo de extermínio já existe e há muito tempo vem praticando crimes a serviço do tráfico.
"Tenho plena certeza que a maioria das mortes foi encomendada pelos chefes do tráfico, que querem tirar do caminho os viciados trabalhosos, que não costumam pagar ou prestar conta das drogas que consomem ou das que pegam para revender. Por hora estão matando viciados, minha preocupação é saber até onde o cidadão de bem vai estar seguro, pois quando os exterminadores começarem a matar pessoas inocentes, quem é que vai poder frear?", questionou o pedreiro.
O bacharel Denis Carvalho da Ponte, titular da Delegacia Especializada em Narcóticos (Denarc), não acredita que exista um grupo de extermínio trabalhando em favor do tráfico. Ele explica que as mortes são consequência de rivalidades, disputas por espaço e até mesmo dívidas geradas pelo tráfico.
"Não acredito na existência de um grupo de extermínio, porém o que está acontecendo é uma disputa por espaço, onde os traficantes eliminam seus opositores e, por outro lado, o grupo rival não se intimida e desencadeia uma retaliação que termina com várias mortes", explicou Denis Carvalho.
Maioria dos casos ocorre em áreas periféricas
Outro dado levantado pela reportagem do O Mossoroense, junto às estatísticas do Itep, é que mais de 90% dos crimes praticados na cidade durante os meses deste ano ocorreram em áreas periféricas de elevada pobreza. As favelas lideram os números, seguidos de bairros afastados do centro da cidade.
Segundo os registros do Itep, as favelas do Fio, Tranquilim, Santa Helena, Malvinas, Ouro Negro, Pintos, Pantanal, dentre outras, foram palcos de diversos homicídios. Associados às favelas aparecem bairros como Santo Antônio, Belo Horizonte, Costa e Silva, Alto de São Manoel, Bom Jardim, Lagoa do Mato, além de outros que estão presentes no mapa da pobreza, rota dos assassinatos.
Segundo especialistas em educação, nas áreas de grande incidência dos crimes o índice de analfabetismo está presente, o que influencia decisivamente na conduta moral e ética dos jovens. "Quando os adolescentes e jovens não frequentam a escola, a tendência é ir para o submundo do crime, principalmente os das drogas. Eles querem as coisas de imediato e não pensam no futuro", destacou o psicólogo José Evangelista Lima, professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern).
"Para se ter uma ideia, basta olhar para os locais onde a maioria dos crimes se sucederam para ver o quanto os moradores da comunidade vivem em condições precárias, de extrema pobreza. São rapazes e moças que poderiam estar na escola, projetando um futuro, no entanto desde cedo entram por caminhos sem volta", explicou Lima.
Outro fator preponderante apurado pelo O Mossoroense é que em favelas ou bairros afastados o patrulhamento policial deixa muito a desejar. O aposentado Francisco Gumercindo, 72, morador da Favela do Pantanal, disse que dificilmente a polícia circula por lá, o que favorece aos marginais que andam armados livremente, impondo as suas próprias leis.
"A polícia só aparece aqui quando acontece um crime ou um tiroteio. Bom seria se ela ficasse direto nas imediações, só assim os criminosos teriam um pouco de receio de andar armados", concluiu o aposentado.
Maior parte dos jovens assassinados não chega a completar 25 anos de idade
As mais de 100 mortes ocorridas em Mossoró este ano apresentam muitas peculiaridades que precisam ser vistas pela polícia e pelas autoridades de uma forma geral. Os crimes seguem uma incidência que envolve em sua maioria pessoas jovens, que morreram antes de completarem 25 anos de vida.
O fato é de extrema preocupação, segundo o delegado Edivan Queiroz, titular da Delegacia Regional da Polícia Civil de Mossoró e que também responde pela Delegacia Especializada no Atendimento ao Adolescente Infrator (DEA). Ele atribui a mortandade dos jovens ao envolvimento precoce com as drogas. "Muito cedo os adolescentes começam a ter envolvimento com drogas e quando completam a maioridade já são veteranos no crime, muitos deles, inclusive, chefiando boca de fumo", disse.
Para Edivan, o ciclo vicioso da droga tira todas as chances do adolescente se projetar em uma profissão definida. Dante disso, o caminho mais curto para se conseguir manter respeito e se impor é eliminando quem atravessa o seu caminho, prática bastante comum no submundo do crime.
Em recente entrevista ao O Mossoroense, o delegado Renato Batista alertou para o perigo da ausência dos pais na vida dos filhos. "Quando os pais não acompanham e colocam limites nos filhos, o problema passa a se agravar. E quando esses filhos estão descontrolados, passam a matar e morrerem desenfreada mente", destacou.
Medo de represália leva aproximadamente 50% das famílias a se mudarem depois que um parente é assassinado
Dados levantados pelo o Itep e comprovados pela reportagem do O Mossoroense apontam que dos 100 homicídios registrados pela polícia, 46 famílias mudaram de endereço depois que um dos familiares foi assassinado.
As causas para o êxodo urbano se devem ao medo de represália, uma vez que os familiares passam a ser alvos das investidas dos criminosos. "Eu tinha um amigo que foi assassinado no bairro Forno Velho. No dia em que ele foi sepultado, a família estava em casa à noite, alguns elementos armados atiraram contra as portas da residência. Com isso, a família do meu amigo teve que ir embora imediatamente", contou José Santos.
O delegado Rubério Pinto, titular da 2ª DP, explica que muitas famílias se mudam porque sabem de mais e passam a ser alvo dos bandidos que eliminaram o parente. "Isso é muito comum acontecer. A família assustada com a morte do filho, esposo, seja lá quem for, procura se ausentar daquele ambiente, temendo que algo possa acontecer de ruim", disse.
A polícia atribui como correta a atitude da família em se mudar quando houver um perigo que possa colocar em risco a vida de outros integrantes, que geralmente não têm relação alguma com as coisas erradas praticadas por quem foi assassinado.
Estatística do Itep aponta crescimento gradativo da violência
Estatísticas do Instituto Técnico e Científico de Polícia (Itep) apontam que este ano já pode ser considerado o mais violento, com ocorrência de maior índice de crimes. Nos cinco primeiros meses deste ano, maio foi o recordista em mortes por arma de fogo, com 27 assassinatos; seguido por abril, com 21; março 18; fevereiro 14 e janeiro com 15 homicídios.
A 100ª vítima do ano, assassinato ocorrido ontem, reflete uma realidade nua, crua e sem precedentes. Fazendo uma comparação do período compreendido entre 2009 e 2010, houve um acréscimo de aproximadamente 300% no número de assassinatos à bala. Comparando o ano passado com os meses deste ano, o Itep já contabilizou um aumento de mais de 80%, nos crimes registrados.
O perfil das vítimas de homicídio obedece à seguinte classificação: de 10 a 20 anos, 19 mortes, equivalente a 18,8 %; de 20 a 30 anos, 46 assassinatos, correspondendo a 45,6 %; na faixa etária compreendida entre 30 e 40, ocorreram 15 homicídios, o que representa 14,8 %; já entre os 40 e 50 anos, o Itep contabilizou nove vítimas, 8,9 % e acima de 50 anos, outros nove, 8,9%, além de dois sem identificação, que representam 1,9 %.
Outro dado apontado é que a maioria das mortes teve como vítimas homens, com mais de 95% dos casos.
Fonte: Jornal O Mossoroense
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