quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Ângela Cruz diz que UFRN passou a ter seu capítulo na história do regime militar

Segundo a reitora Ângela Cruz, as pessoas foram perseguidas e muitas delas foram prejudicadas em contratações e exonerações durante a ditadura.
O relatório final da Comissão da Verdade na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) foi apresentado oficialmente hoje (14) numa solenidade marcada pela emoção.  “As universidades sempre foram espaços de manifestação e de discussão das ideias, de liberdade. Durante 21 anos, alunos, professores e técnicos foram tolhidos desta liberdade. A Comissão da Verdade desnudou esse período, e contou uma história que poucos conheciam”, disse a reitora da UFRN, Ângela Cruz, em entrevista ao @portalnominuto.
“A própria história da UFRN não continha esse capítulo. Agora nós temos”, disse.
Foram quase três anos de trabalho, mais de 50 depoimentos, muita pesquisa e coleta de documentos nas instituições e nos arquivos de famílias.
O documento lançado hoje tem 489 páginas, e registra as ações do Assessoria de Segurança e Informações (ASI), criada por decreto governamental para assessorar a reitoria, mas que passou a monitorar a vida das pessoas dentro e fora da universidade. 
“Eles queriam saber se a pessoa era agente pastoral da igreja, se participava das campanhas de alfabetização como a de Djalma Maranhão [Com o pé no chão também se aprende a ler], se estudava o educador Paulo Freire, entre outras coisas. As informações passavam a contar na ficha funcional ou estudantil”, disse Ângela Cruz.
Segundo a reitora da UFRN, as pessoas foram perseguidas e muitas delas foram prejudicadas em contratações e exonerações. “Nós tivemos cinco professores exonerados. Com a Lei da Anistia, todos foram reintegrados”, informou.
O relatório da Comissão da Verdade na UFRN lista pelo menos três mortos no período da ditadura. “Emmanuel Bezerra dos Santos [estudante da Faculdade de Sociologia, natural da cidade de São Bento do Norte e foi diretor do Diretório Central de Estudantes (DCE) da UFRN], José Silton Pinheiro [estudante de Pedagogia, nascido em São José de Mipibu, e enterrado como indigente] e o professor Luiz Ignácio Maranhão Filho [irmão do ex-prefeito Djalma Maranhão, que teve o mandato cassado durante o regime militar], que é considerado desaparecido, mas com grande possibilidade de ter sido morto”, relatou a professora Ângela Cruz.
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A reitora da UFRN considera que o trabalho da Comissão da Verdade é um marco da sua gestão. 

A seguir, a entrevista da professora Ângela Cruz, reitora da UFRN, ao @portalmnominuto:
Nominuto - Qual é o fato mais marcante do relatório final da Comissão da Verdade da UFRN, lançado hoje oficialmente?
Ângela Cruz - A coisa mais marcante é revelar o que realmente aconteceu no período de 21 anos [de regime militar] na UFRN. As universidades sempre foram espaços de manifestação e de discussão de todas as ideias, mas nesse período alunos, professores e técnicos da universidade foram tolhidos desta liberdade. Por exemplo, só passava num concurso público ou numa seleção de monitoria quem não tivesse ficha nos registros da ASI (Assessoria de Segurança e Informações). Nós contamos essa história no relatório da Comissão da Verdade. A ASI era o braço do Estado ditador dentro das universidades. Muitas pessoas foram privadas dos seus direitos, foram presas ou exoneradas. O trabalho da comissão foi desnudar essa história das pessoas que pouca gente conhece. A própria história da UFRN não continha esse capítulo. Agora nós temos.
Nominuto -  Dos depoimentos colhidos e documentos pesquisados, revela-se o monitoramento de alunos, professores e servidores. Como os agentes da ditadura realizaram o trabalho? Qual a estrutura usada por eles?
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AC - A Assessoria de Segurança e Informações (ASI) foi criada por decreto governamental para assessoramento da reitoria. Mas os agentes do órgão passaram a observar a vida das pessoas [alunos, professores e servidores] dentro e fora da universidade. Eles queriam saber se a pessoa era agente pastoral da igreja, se participava das campanhas de alfabetização como a de Djalma Maranhão [Com o pé no chão também se aprende a ler], se estudava o educador Paulo Freire, entre outras coisas. As informações passavam a contar na ficha funcional ou estudantil.

Nominuto - Então a posição ideológica pesava nas contratações e exonerações da UFRN?
AC - Sim, pesava. As questões técnicas viravam questões políticas em favor do regime ditatorial. E nesta situação, muitos professores foram exonerados.
Nominuto - Quantos?
AC - Nós tivemos cinco professores exonerados. Com a Lei da Anistia, todos foram reintegrados. Tem o caso do professor Juliano Siqueira, na época um estudante, que passou numa seleção para monitoria em primeiro lugar, mas não assumiu porque foi preso na durante a ditadura. Isso gerou um processo na Comissão da Verdade, e a UFRN constatou que ele foi preterido. A monitoria foi registrada na ficha funcional dele. Outros casos surgiram no decorrer das investigações da comissão.
Nominuto - Quais as vítimas da ditadura foram identificadas no trabalho da Comissão da Verdade na UFRN?
AC - As vítimas fatais foram três: Emmanuel Bezerra dos Santos [estudante da Faculdade de Sociologia, natural da cidade de São Bento do Norte e foi diretor do Diretório Central de Estudantes (DCE) da UFRN], José Silton Pinheiro [estudante de Pedagogia, nascido em São José de Mipibu, e enterrado como indigente] e o professor Luiz Ignácio Maranhão Filho [irmão do ex-prefeito Djalma Maranhão, que teve o mandato cassado durante o regime militar], que é considerado desaparecido, mas com grande possibilidade de ter sido morto. Vale ressaltar também que cerca de 250 pessoas foram fichadas pelos agentes da ditadura a partir de informações da ASI na UFRN.
Nominuto - Quem participou da elaboração do relatório final da Comissão da Verdade da UFRN? E como a sociedade terá acesso ao trabalho?
AC - Nós iniciamos esse trabalho em 2012. O professor Carlos Roberto de Miranda Gomes, aposentado do curso de Direito, presidiu a comissão com a participação de vários professores, representantes do DCE, da Adurn e do Sintest. Tivemos um grande número de bolsistas no trabalho de pesquisa. Foram mais de 50 depoimentos. Contamos também com documentos, fotografias e histórias que não tinham sido contadas. O livro foi feito para a sociedade. A distribuição será gratuita. E a população terá acesso ao trabalho completo no site da Comissão da Verdade [comissaodaverdade.ufrn.br], e na biblioteca Zila Mamede [campus central]. A população merece esse estudo e essa história passada a limpo. Essa é uma ação que marca a nossa gestão.
Créditos: nominuto.com

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