domingo, 24 de julho de 2011

À flor da pele: sexualidade que não encontra barreiras

Mulheres com necessidades especiais relatam experiências de sua intimidade e mostram que deficiência não inibe o prazer

Benômia Rebouças, Josilene Lacerda e Cláudia Medeiros, mulheres bem resolvidas, com famílias e profissões, como a maioria das representantes do sexo feminino do século XXI. Pessoas com projetos de vida, sentimentos diversos, desejos múltiplos, sexualidade aguçada e muitas realizações.
Na hora de buscar a felicidade na vida pessoal e atender às necessidades afetivas, elas não poupam esforços. Benômia, por exemplo, já manteve relacionamentos presenciais, mas também se diverte nas salas de bate-papo da web.
Josilene Lacerda não teve sucesso no seu primeiro casamento, mas, atualmente, está feliz em sua segunda união conjugal. Já Cláudia, casada há 15 anos, construiu uma bela família, cujo fruto é uma filha de 11 anos de idade.
Assim como a maior parte das mulheres modernas, elas não se envergonham de assumir que a sexualidade é um fator importante na vida e em um relacionamento e não se acanham em procurar a realização nesse setor da vida pessoal, para isso, inovam como podem.
Ah! Elas também são cadeirantes e integram o Fórum de Mulheres com Deficiência de Mossoró e Região, que conta com cerca de 50 pessoas. Mas o fato de possuírem deficiência física e precisarem de uma cadeira de rodas para locomoção não as impede de sentir prazer. Quem pensa o contrário pode ser vítima de outra deficiência severa, o preconceito. Infelizmente, no entanto, muita gente apresenta essa limitação.
“O pessoal acha que a gente não tem sexo”, afirma Cláudia Medeiros. Benômia reforça e diz que a pessoa com deficiência é vista como quem não têm sexualidade e que precisa de alguém do lado 24 horas por dia.
“O preconceito que a sociedade cria é por não conhecer”, afirma. “Nós temos sentimento, nós temos desejos”, acrescenta. Josilene Lacerda vai além e lembra que antes achavam que as pessoas com deficiência eram doentes.
“Na verdade, esse preconceito começa em relação à sexualidade mesmo. Muitas pessoas não têm isso bem resolvido para si e transferem para os outros, e quando a pessoa tem deficiência, é ainda mais difícil”, comenta a psicóloga Marilu Martins.
Ela diz que a sociedade é convencionada a procurar o belo, o perfeito. Essa questão é repercutida e fortalecida pela mídia, mas quando essa perfeição não é encontrada, as pessoas que não atendem esses padrões são excluídas. “Há um preconceito muito grande”, ressalta a psicóloga.
Mas há quem não sofra com isso. Ao contrário do que acontece com muitas pessoas que têm algum tipo de necessidade especial, Josilene Lacerda diz que não sofreu muito preconceito e sempre foi paquerada. Por ser bastante comunicativa, ela acredita que a característica contribuiu para aproximar os outros. “Já estou no meu segundo casamento”, conta.
Se o preconceito não partiu dos pretendentes, no entanto, foi com a família do primeiro marido que ela sentiu dificuldades em se relacionar, pois os familiares dele eram contrários à união. O relacionamento acabou pelo preconceito da família do ex e pelo fato de ele ser muito ciumento.
Como várias outras mulheres, ela teve alguns relacionamentos que não deram certo, mas não se impressionou com isso e diz que os motivos dos rompimentos eram comuns. Diferentemente do que aconteceu no passado, hoje se dá bem com a família do atual marido e conta que é uma nora bastante querida entre eles.
Josilene se aproximou dele quando começou a frequentar a casa da família para encher os pneus da cadeira de rodas. Ela diz que a intenção era apenas essa, mas as amigas garantem que ela secava os pneus de propósito só para ter um pretexto para ir até o pretendente.
O casamento já dura três anos, e ela chegou a engravidar, mas, por complicações, não teve os bebês. Na primeira gravidez sofreu um aborto espontâneo, e na segunda teve pré-eclampse e perdeu o bebê aos sete meses de gestação. Nada disso, porém, está relacionado à sua deficiência. Segundo o médico, a razão está na idade, que é de risco.
Muitas vezes, porém, o preconceito vem da própria família da pessoa com deficiência, que, em virtude da superproteção, acaba provocando certa exclusão. Foi assim com Cláudia Medeiros. “Meu pai ficou sem falar comigo quando eu casei, e quando eu engravidei, ele só falou quando a minha filha nasceu”, comenta. 
Hoje, Cláudia e Francinaldo estão com 15 anos de casados. Amigos desde a infância, ela conta que o começo não foi fácil, mas o amor e a perseverança do casal fizeram com que a união fosse consolidada. “Foi difícil porque nem a família dele e nem a minha aceitavam. Você sabe que o racismo é forte, e meu esposo é negro”, diz.
O pai dela, inclusive, chegou a alertar o seu esposo, na época ainda um pretendente ao casamento, das complicações que viriam, em decorrência da paralisia de Cláudia, com o tempo.
Mas Francinaldo Sérgio não recuou no objetivo e casou mesmo diante da pressão. Os dois foram morar em outra cidade, onde ele já vivia, e a responsabilidade de tê-la tirado de dentro da casa dos pais fez com que ele redobrasse os cuidados com a esposa. Mas ela mostrou que não era frágil como as pessoas pensavam.
Hoje, o casal tem uma filha de 11 anos de idade. A gravidez de Cláudia também despertou o preconceito dos outros. Durante a gestação, chegaram, inclusive, a abordá-la com a seguinte pergunta: “Como é que pode, tiveram coragem de fazer isso com você?”, como se ela não tivesse autonomia para tomar decisões sobre o seu próprio corpo.
Ela confessa que, quando engravidou, chegou a ter medo, mas conta que a gravidez foi tranquila e saudável, e o parto foi normal.
Nem o esposo de Josilene, nem o de Cláudia possuem qualquer tipo de deficiência. “Eu nunca namorei ninguém com deficiência”, diz Josilene. Já Benômia Rebouças conta que já se relacionou com um rapaz que também tinha deficiência.
Ela considera que, nesses casos, o relacionamento é mais intenso, porque os dois compartilham a mesma realidade. Benômia conta ainda que frequenta salas de bate-papo na internet, e nos chats encontra muitas pessoas em busca de paquera na web.
A busca pelos sites de relacionamento se dá em decorrência das limitações impostas pela falta de acessibilidade nas ruas das cidades, o que dificulta a livre circulação das pessoas com deficiência. Nos espaços virtuais, muita gente procura companhia. 

PSICÓLOGA EXPLICA QUE SEXUALIDADE É INERENTE AO SER HUMANO
A procura por companhia se justifica porque a sexualidade das pessoas com deficiência também é normal. “A gente tem uma paralisia nas pernas, mas o resto do corpo é normal”, diz Benômia Rebouças, confirmando com toda convicção que sente prazer. 
Ela comenta que nenhuma das três cadeirantes tem tetraplegia, mas lembra que, mesmo as pessoas com esse tipo de deficiência, contam com outras formas de sentir prazer.
Mas Benômia menciona que é mais comum ver homens com deficiência dentro de um relacionamento amoroso do que mulheres. “Nós, mulheres, somos mais sensíveis. Na minha visão, para as mulheres com deficiência, essa questão de relacionamento é mais difícil”, diz.
A psicóloga Marilu Martins lembra que isso se deve ao fato de que, perante a sociedade, a mulher sempre foi vista como a que aceita mais as coisas, por isso, é mais comum ver casais onde a mulher não possui deficiência e o homem, sim. “Até porque a mulher é a que aceita tudo”, menciona.
A psicóloga também lembra que, embora, na visão geral, a sexualidade esteja relacionada apenas ao sexo no sentido da penetração, o conceito é mais amplo e está ligado ao desenvolvimento do ser humano, que se inicia antes mesmo do ato sexual.
“A sexualidade faz parte da vida de qualquer ser e não importa se a pessoa tem deficiência ou não, a sexualidade faz parte da vida dela, e a sexualidade vai além do sexo”, ressalta a psicóloga.
Cláudia Medeiros sabe bem como conduzir a situação. Como boa parte dos casais, na intimidade, ela conta que gosta de inovar e reclama: “Por sinal, os motéis deveriam ser todos acessíveis”, diz ela, que ainda não encontrou nenhuma que tivesse as condições adequadas para proporcionar a acessibilidade.
A cadeira de rodas também não é empecilho. “A mim não atrapalha em nada”, diz Cláudia. “Até porque ela fica de lado”, acrescenta Josilene Lacerda.
Marilu Martins explica que a forma como a sexualidade é expressa vai depender do tipo de deficiência, e lembra que a maior parte das pessoas com deficiência não tem deficiência total, assim, a questão não impede de desenvolver a sexualidade.
Ela também diz que, desde que não haja nenhum problema que tenha danificado o aparelho reprodutor da pessoa, ela vai sentir prazer como qualquer outra.
A psicóloga enfatiza que é necessário olhar para as pessoas ao nosso redor e perceber que todas são diferentes umas das outras, embora em algumas, as diferenças sejam maiores.

Fonte: Gazeta do Oeste

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