quarta-feira, 1 de julho de 2015

Polêmica das relações de gênero acirra debate entre professores, alunos e sociedade

Prof. José Damasceno

Nos últimos meses, um debate vem se acirrando entre professores, estudantes e sociedade. A ideologia de gênero, defendida pelo Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2011-2020, põe de um lado defensores da ideologia de gênero, que veem nisso uma forma de evitar a exclusão social, e de outro os que são contra, alegando que isso pode trazer prejuízos, principalmente, morais para a sociedade.
O ‘x’ da questão é a meta 3 do PNE, que objetiva universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de quinze a dezessete anos e elevar, até 2020, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para oitenta e cinco por cento, nesta faixa etária.
Para conseguir esse objetivo, o PNE tem como uma das estratégias (a 3.9) implementar políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação à orientação sexual ou à identidade de gênero, criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão.
Porém, muitos planos municipais de educação estão sendo rejeitados no país por supostamente tentarem ensinar aos alunos a ideologia de gênero.
Muitos defensores da moral têm entendido o combate ao preconceito como o ensino de uma ideologia, ou seja, os professores devem orientar os alunos quanto à sua opção sexual, se querem ser homens ou mulheres.
Para o professor Josué Damasceno, as pessoas não entenderam ainda o que se quer com isso. Ele questiona o que se entende por ideologia, e é isso que está causando a polêmica. “Não é a família, não é a escola, não é a sociedade que vai dizer à criança o que ela vai ser. Acredito que a criança já nasce do jeito que é. O professor não vai influenciar. Temos alunos com 12 anos que já assumem. Eu acho que se deve mesmo discutir isso na escola para evitar preconceito”, disse o professor.
Câmara de Vereadores proíbe debate em sala de aula
Em muitas escolas, a quantidade de meninos e meninas que estão se definindo é grande. Alguns já assumem diante de todos que são homossexuais. E em muitas escolas existe também o preconceito pela opção sexual do colega. Casos de homofobia têm sido comuns no país. Frequentemente, relatos de violência contra homossexuais vêm estampando os noticiários do mundo todo. Fora os que não são divulgados.
Esse tipo de comportamento deve ser debatido não na escola, mas também na sociedade e com a sociedade.
A presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Mossoró (SINDSERPUM), Marleide Cunha, diz que não sabe de onde tiraram essa história de ideologia, que tem causado tanta polêmica. “O que se discute é o gênero. Há um discurso de cunho religioso que está distorcendo isso. O que fazemos na escola é combater o preconceito para que as crianças respeitem o outro”, disse.
Recentemente, a Câmara Municipal de Mossoró, em sessão extraordinária, de acordo com a emenda do vereador Nacízio, proibiu “no âmbito das unidades da rede oficial e da rede particular, a elaboração, produção, distribuição e utilização de materiais de referências de cunho sexual, afetivo ou de gênero”, o que causou revolta entre os professores. “O que a Câmara Municipal fez, da forma como foi feito, foi incitar a intolerância. Ela não tinha o direito de fazer isso sem ouvir os educadores e a sociedade”, criticou Marleide Cunha.
A secretária municipal de Educação, professora Ieda Chaves, vê a questão como delicada. “Vejo duas contradições: a primeira é que ideologia não é ciência; a segunda é que nosso país é laico. A Constituição Federal diz que o ensino deve ser plural. Para trabalhar isso com a criança é complicado, porque você não respeita as ideias dela”, disse.
Ela enfatiza que essas questões já são trabalhadas em sala de aula com os temas transversais, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). “Os professores podem levar o assunto para a sala de aula, mas com argumentos, não com ideologias. Nossas escolas trabalham os valores. Nunca recebi relatos de preconceito desse tipo nas escolas”, ressaltou a secretária.
O Núcleo de Estudos sobre a Mulher Simone de Beauvoir da UERN (NEM), em nota, também se posicionou contra a proibição das discussões em sala de aula sobre as relações de gênero. “Essa ação representa um retrocesso no campo dos direitos sexuais, da liberdade de expressão e por uma educação não sexista em nossa cidade. Além disso, tal iniciativa reforça as atitudes preconceituosas, machistas e patriarcais que ao longo do tempo sustentam e legitimam práticas como o feminicídio e a homofobia. Cultura essa que tem como solo fecundo o preconceito e, consequentemente, a dor, o medo e a intolerância que põe o Brasil entre os países campeões de assassinatos de mulheres (cerca de 44 mil na última década) e em assassinatos de homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais”, diz a nota.
Mulheres também são vítimas de preconceito
As discussões sobre gênero não atingem só os homossexuais. As mulheres também entram nas estatísticas de preconceito e discriminação que permeiam o país e as escolas do país.
De acordo com o Mapa da Violência 2013: Homicídios e Juventude no Brasil os homicídios de mulheres aumentou 17,2% entre 2001 e 2011, ano em que 4,5 mil mulheres foram assassinadas no Brasil. Em 2014, o Brasil recebeu 52.957 denúncias de violência contra a mulher
Muitas vezes, o machismo impera, trazendo sérias consequências para a mulher, mutilando-a ou levando-a à morte.
São essas estatísticas que mostram a importância de se discutir gênero em sala de aula, para formar cidadãos conscientes e livres de toda e qualquer forma de preconceito e discriminação.
O xis da questão
De acordo com conceitos discutidos pelos defensores do gênero, sexo e gênero não são a mesma coisa. Sexo se refere à parte estrutural e anatômica do ser humano; gênero é o papel que o indivíduo exerce na sociedade. Quer dizer, o indivíduo pode ter o corpo masculino ou feminino, mas o seu papel na sociedade não corresponde ao seu sexo.
A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) publicou o “Manifesto pela igualdade de gênero na educação: por uma escola democrática, inclusiva e sem censuras”, assinado por 113 pesquisadores e grupos de estudos e que derruba o conceito de que gênero é uma ideologia.
Para a associação, o conceito de gênero tem sido útil para identificar mecanismos de reprodução de desigualdades no contexto escolar, para que se possa garantir um espaço democrático para suprir essas diferenças.
Para a pedagoga Rafaella Costa, que defendeu sua dissertação de conclusão de curso cujo título é “A transexualidade como uma realidade cada vez mais presente no cotidiano cisgênero e a produção de conceitos através da sociedade heteronormativa: desafios para legitimar a identidade de gênero”, é necessário respeitar o outro.
Em seu trabalho, Rafaella discute a resistência da sociedade em respeitar e aceitar apenas a relação homem/mulher, masculino/feminino. “Se a sociedade passasse a enxergar as pessoas como seres humanos, sem que fosse preciso identificar cada um pelo sexo biológico ou qualquer outro aspecto que o ‘classifique’ principalmente através do masculino/feminino, estar-se-ia avançando em direção ao ‘mundo perfeito’, deixando de se preocupar com a orientação e desejos alheios e buscando experiências para alimentar os dispositivos que vão além dos padrões binários e não se limitam a sexualidade”, escreveu.
Créditos: Gazeta do Oeste

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